Eles levam os brasileiros desacreditados em busca de uma vida melhor em uma terra pouco conhecida, mas cheia de esperança
Diariamente, muitos brasileiros tentam mudar de vida e tentar a sorte morando no exterior, eles tentam entrar em países da Europa ou da América do Norte com o sonho de trabalhar, receber em moeda forte e poder usufruir da estrutura de um país de primeiro mundo.
A França é um dos destinos mais procurados pelos brasileiros, que além de tentarem entrar pelo território europeu, os imigrantes têm uma opção mais próxima, aqui mesmo na América do Sul, a Guiana Francesa.
Fazendo divisa com o estado do Amapá, o território ultramarino da França e o Brasil são separados pelo Rio Oiapoque, e a travessia é feita em 15 minutos de barco entre a cidade brasileira com o mesmo nome do rio e a cidade francesa de Saint George.
Além da diferença do idioma e cultura, a diferença econômica também é evidente, ao contrário da cidade brasileira, Saint George é toda asfaltada, limpa, saneada e organizada, enfim, uma cidade bem agradável cheia de casinhas coloridas. A entrada lá é feita sem maiores problemas, mas a travessia e o ingresso dos imigrantes ilegais não são tão simples assim.
Atraídos pelo Euro, e pelo Ouro, os principais destinos dos brasileiros na Guiana Francesa são os garimpos do interior e a capital Cayena, onde se pode conseguir empregos informais com certa facilidade, e usufruir da infra-estrutura de primeiro mundo e do bom sistema público francês de saúde e educação: “aqui levo uma vida bem melhor do que em Macapá, recebo em Euro, meu filho estuda em escola de qualidade e os hospitais são bons e de graça” diz a imigrante agora legal, Márcia Leão, há 15 anos no país.
Para chegar até Cayena de forma clandestina, a travessia é feita por barcos, ou catraias, um tipo de embarcação de madeira com capacidade para 20 ou 30 pessoas com motor de 40 HP, movido a gasolina. Os catraieiros cobram entre 400 e 500 Reais para fazer a travessia, sem garantia de êxito, e também sem a mínima segurança, faltando até coletes de salva-vidas para os passageiros.
A viagem começa na cidade do Oiapoque, norte do Amapá, onde os viajantes se reúnem no final da tarde no porto. Embarcados nas catraias eles partem pelo rio Oiapoque, entram no oceano Atlântico, passando pelo cabo Orange, e chegam ao seu destino, nas praias periféricas da capital Guianense.
Dependendo das condições do mar e da fiscalização francesa, a viagem chega a durar até 3 noites, sim, as viagem são sempre feitas a noite, pois durante o dia as catraias são facilmente avistadas e podem ser afundadas pela guarda costeira francesa, que prendem os imigrantes e os deportam para o Brasil. Mas os catraieiros conhecem bem a região e os locais das patrulhas de fronteira, quando o perigo se aproxima, eles levam as pessoas até um ponto qualquer da mata, de noite, e muitas vezes as deixam escondidas com água pela cintura. As pessoas ficam ali, segurando uma sacola com os poucos pertences sobre a cabeça, até terem certeza de que não há policiais para poderem continuar a viagem.
Uma das paradas costuma ser feita na ilha Larjan – ilha dinheiro, em francês-, já em território francês, para descanso e espera dá próxima noite. “Ficamos um dia inteiro escondidos nessa ilha, muitos passageiros ficaram doentes, quando eu fiz a travessia, tinha até mulher grávida conosco. Não comemos nada o dia inteiro, só bebíamos cachaça, o dia inteiro, era o que tínhamos para nos alimentar” conta o vendedor de carros Gilberto Petronilho, que fez a travessia há 9 anos.
Se tudo der certo, a viagem continua na segunda noite, com chegada em uma praia próxima de Cayena perto das 6 horas da manhã. Já na praia, outro grupo de atravessadores espera os imigrantes, e com os pés na areia, começam a correr muito para fugir rápido dali e de uma possível prisão. Os atravessadores locais levam as pessoas para dentro da mata, onde seguem viagem por trilhas, porém, no desespero da chegada muitas pessoas se perdem no caminho, se cansam e ficam sozinhas na mata.
Gilberto Petronilho, que atualmente mora nos Estados Unidos, foi um dos brasileiros que fizeram essa viagem, e se arrependeu: “grande idiotice, primeiro enfrentei uma viagem de ônibus no meio da floresta a durante noite inteira, entre Macapá e Oiapoque, depois fizemos a travessia de barco que durou 3 noites ate chegar lá. As ondas de uns 10 metros de altura enchiam o barco o tempo inteiro, estávamos sem segurança nenhuma, fiquei com muito medo de morrer. Depois de tudo isso, ainda tive muitos problemas para chegar no garimpo, que também não era nada do que me falaram, 1 mês depois me entreguei para Legião estrangeira para ser deportado para o Brasil. Guiana nunca mais” conta.
Petronilho explica o motivo de sua emigração: “Em Manaus conheci um sujeito com um imenso cordão de ouro no pescoço, ele me disse que havia conseguido nos garimpos da Guiana Francesa, perguntei a ele como funcionava, e ele me contou que nos garimpos, os patrões pagavam 400 gramas de ouro por mês, mas a comida e a moradia. Fiquei com essa idéia fixa e fui pra lá”
Mas muitas histórias com finais melhores também são escritas na Guiana, desde a década de 60, quando o governo francês estimulou a ida de brasileiros para trabalhar na construção da base espacial de Kourou – onde são realizados testes com foguetes espaciais franceses -, muitos imigrantes se estabeleceram, casaram, constituíram uma vida e estão lá até hoje, estimativas do governo brasileiro apontam que mais de 50 mil brasileiros vivem legalizados no país vizinho.
O deputado estadual Paulo José (PSDC), integrante da Comissão de Relações Exteriores do Amapá, diz que a imigração, mesmo a ilegal, gera recursos investidos no estado pelas famílias de imigrantes, que enviam parte do que ganham, porém, os problemas sociais trazem prejuízos muito maiores. “O fluxo migratório tem estimulado a prostituição, o tráfico de drogas e a infecção por doenças graves”, contou o deputado.
O deputado também critica a postura do Itamaraty, que considera que a diplomacia brasileira não tem agido de forma para coibir ou diminuir os problemas da imigração: “Posso afiançar que o Itamaraty tem virado as costas para o problema da migração Amapá-Guiana Francesa. Não há ação efetiva que possa coibir ou ao menos minimizar o problema dos brasileiros, que além da humilhação que sofrem, muitas garotas são aliciadas para se prostituírem em Caiena e locais próximos dos garimpos” conta.
Em fevereiro deste ano, os presidentes Lula e Nickolas Sarkozy se encontraram na região para lançarem a pedra fundamental da ponte sobre o Rio Oiapoque de 400 metros de extensão que ligará os dois países e custará 20 milhões de dólares. A construção desta ponte não diminuirá o fluxo de imigrantes ilegais para Guiana, como podem imaginar, apenas será um meio de transporte de mercadorias, e turistas ou moradores que trabalham legalmente do outro lado do rio, pois com certeza a parte francesa da nova ponte será muito bem vigiada.
Os barqueiros que fazem diariamente o transporte entre as duas cidades serão gravemente afetados, segundo o presidente da Associação dos catraieiros, Luiz Antônio Lobato Silva, o movimento pode cair até 70%, restringindo o uso dos barcos apenas para turismo. Faltou dizer que os barqueiros que fazem o papel de Coiotes continuarão com bastante trabalho, pelo menos para os próximos anos ou enquanto o cenário econômico mundial não mudar.
Por Allan Ravagnani
Foto: Bruno Huberman
Porto em Oiapoque - de onde saem as embarcações
Foto: Bruno Huberman
Rio Oiapoque - lado brasileiro
Foto: Luana Lila
Embarcação utilizada nas travessias
Foto: Bruno Huberman
Chegada à cidade de Saint George - Guiana Francesa
segunda-feira, 18 de agosto de 2008
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Um comentário:
Oi Allan! Sou estudante de cinema e estou começando a trabalhar com fotografia. Por isso tenho procurando matérias interessantes pra documentar fotograficamente. Achei muito legal essa sua matéria. Você tem algum e-mail que possamos entrar em contato? Queria saber mais sobre as condições de trabalho, acesso ao assunto... Quem sabe eu não vou pra Guiana fotografar toda essa história... Ia adorar!
Meu e-mail é belabap@yahoo.com.br
Parabéns!
Bela.
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